sábado, junho 07, 2008

182. «ANA» - Crítica de Eduardo Prado Coelho

[Estreia no Forum Picoas, Lisboa - 6 de Maio de 1985]

ANA
de António Reis e Margarida Cordeiro

Ana significa harmonia, mas também cisão, distância insuturável do mesmo ao mesmo. E, por isso, necessidade de transporte para cobrir todas as distâncias. A conversa sobre barcas tem essa função: abrir um fundo metafórico sem contornos precisos - na medida em que, utilizando-se a metáfora do transporte, se deve ter em conta que o transporte é a essência da própria metáfora. Ana é, por um lado, um cosmos; mas é, ao mesmo tempo, o caos. A origem não é apenas harmonia, mas vento demencial. O sono não é apenas repouso, mas queda e confusão. O leite converte-se em sangue (são os dois pólos que sustentam o filme). Estamos, como diria Rilke, perante o «círculo da evolução total» - o que é indiscritível: «Mas isto: conter a morte, / a morte toda, ainda antes da vida / tão docemente contê-la e não ser mau, / isto é indescritível». Ou, se preferirem isto é Ana.

Eduardo Prado Coelho

Jornal Expresso, Revista-Cartaz, pág. 4-R, de 8 de Junho de 1985.

181. «ANA» - Crítica de João Lopes

[Estreia no Forum Picoas, Lisboa - 6 de Maio de 1985]

ANA
de António Reis
e Margarida Cordeiro

São raros os filmes em que a organização das formas e dos sons é rigorosamente coerente com o sistema de valores do mundo que o filme constrói. É o que acontece nalguns filmes de Ford, Ozu, Rohmer. É o que acontece neste filme de António Reis e Margarida Cordeiro. Dessa coerência desprende-se uma enorme sensação de paz. Claro que isso pressupõe da parte do espectador uma atenção mais profunda, uma disponibilidade para deixar que o tempo marcado pelo seu relógio seja substituído pelo tempo do filme. Um tempo enganadoramente lento (a lentidão só existe quando o tempo é desperdiçado), pois é apenas o tempo necessário para que o espectador descubra o drama de cada imagem. E o drama do tempo que passa.

NOTA

A Comissão de Qualidade decidiu que este filme não merecia ser classificado como «filme de qualidade». Mais uma vez, como no recente caso de Paulina na Praia, de Eric Rohmer, essa decisão atinjiu um filme sobre cuja enorme qualidade parece existir um completo consenso (até em Portugal onde neste momento é rara a unanimidade crítica). Mais uma vez alguns elementos dessa comissão demonstraram não compreender um filme que considera o especatdor como um interlocutor inteligente, mais uma vez tornaram evidente a sua incapacidade de apreciarem a beleza, quando ela é um pouco mais subtil (o que os qualifica não para membros da Comissão de Qualidade mas para o júri do concurso de Miss Portugal). É urgente rever os critérios e a constituição desta Comissão de Qualidade. Felizmente parece ser também um tema sobre o qual há consenso.

João Lopes

[A «Comissão de Qualidade» da Direcção Geral de Espectáculos era constituída por: Eduardo Prado Coelho, João Lopes, José Matos Cruz e Lauro António (críticos); António Lopes Ribeiro (realizador), Nataniel Costa (Ministério dos Negócios Estrangeiros), Yvete K. Centeno (escritora), Pedro Loff (Ministério da Justiça), Alberto Vaz da Silva (advogado), Breda Simões, presidente (psicólogo) e Lima de Freias, vice-presidente (pintor)].

Revista Grande Reportagem, pág. 7, de 17 a 23 de Maio de 1985.