081. "ROSA DE AREIA" no Xociviga, Galiza (Acrescentado)
Terminada en 1988
"Rosa de Areia", de Margarida Cordeiro e António Reis
O público que onte acorreu á Casa da Cultura para ver "Rosa de Areia", de Margarida Cordeiro e António Reis, foi o da estreia do filme, na Galiza. Já mostrado em diferentes países europeus, em encontros cinematográficos de índole diversa, esta película terminada em 1988, continua inédita em Portugal.
Para quem tem acompanhado o trabalho dos dois realizadores portugueses, este filme, o mais recente, eleva-se a um grau de depuração formal que ihe retira pontos de apoio que o identifiquem com um grupo sócio-cultural determinado, para se tornar numa longa meditação sobre a natureza humana e o destino da vida.
Mais uma vez, a Natureza, em planos magistralmente fotografados por Acácio de Almeida, um dos nomes fundamentais do cinema portugués actual, acolhe no seu seio, ora rochoso ora florido, mas sempre grandioso, os figurantes humanos que, na mais íntima comunhão com os elementos, se erguem quase estáticos, para nos dizerem da fragilidade, do passageiro, do absurdo de todas as coisas. Contra a imensidade dos contrafortes transmontanos, Margarida Cordeiro e António Reis projectam a brevidade da vida humana e a dor real (não existencial) que nos traza a consciência da fugacidade irremediável da nossa condição.
Filme intemporal, diríamos, em que a sensibilidade de concepção busca as imagens de um telúrico eterno onde o vento o sibilar do vento ou o murmúrio da água que corre, são o contraponto mais expressivo (e mais comunicativo, num cinema como este) ao suceder ininterrupto dos días, das estaçoes, do tempo, do espaço, da vida e da morte, numa combinaçao orgánica de factores estilístico com uma linguagem de alto nível poético que acaba de entegrar um humano no silêncio e na amplidão da universalidade cósmica em que tudo se resolve. Sugerimos á Organização do Xociviga que, na próxima edição (ou numa das próximas), organize uma retrospectiva integral da filmografia de Margarida Cordeiro e António Reis:
"Jaime" (1974), "Trás-os-Montes" (1974/76), "Ana" (1984) e, de novo este "Rosa de Areia", para que aqui o público e os críticos possam ajuizar das afinidades de todo o tipo entre estes filmes e a realidade humana de uma Galiza que, por exemplo Chano Piñeiro retrata em "Mamasunción", e com a qual tanto nos identificamos.
Conversa com Margarida Cordeiro e António Reis
Em Agosto, o calor abrasa nas ruas desertas de O Carballiño. É a hora de xantar – assim se chama, em galego, o nosso almoço. No restaurante do Hostal Esclavo, onde os empregados vão por entre as mesas dos veraneantes que acorrem às águas termais daquela vila da Galiza, vamos encontrar Margarida Cordeiro, António Reis e a filha Ana Umbelina. Enquanto saboreamos o «caldo galego» e a «chuleta» que o Manolo se apressa a trazer–nos com simpatia solícita, falamos de cinema português, mais concretamente do cinema feito pelo casal e, em particular de «Rosas de Areia» que viemos conhecer aqui:
P.: – «Este filme...»
R.: – Não tem nada a ver com o resto do cinema português, nem do ponto de vista estético, nem do temático. A arte é um meio de prospectar o desconhecido. De abordar o mistério. Queremos sempre ir mais além. Avançamos, interrogamo-nos e transformamos essas interrogações em cinema. Neste processo, o tema não é de primordial importância. Alguém disse que o nosso cinema é pré-socrático, é metafísico – foi Jacques Rivette.
P.: – Porquê a incidência de Trás–os-Montes na vossa filmografia?
R.: – Porque conhecemos bem a terra, a gente e amamo-las muito. É também mais barato trabalhar lá. Fomos a Marrocos, ao Sahará, filmar dois planos que ficaram caríssimos. Trás-os-Montes representa um confluir de civilizações milenárias que se foram acumulando, estratificando. Lá fomos encontrar um espaço cénico físico e cinematográfico bravio, livre, não-poluído. É uma geografia humana que tem permitido a modulação plural dos nossos filmes. Achamos que a montagem deve ser modulada e não modelada como acontece no cinema narrativo tradicional. A Margarida nasceu lá, conhece bem todo aquele mundo e isso nos permitiu destruir o conceito de «décor» e passar directamente para a Natureza.
P.: – Não está nos vossos planos um filme de tema urbano?
R.: – O nosso próximo projecto continua a ser rural – o filme a seguir, gostaríamos de o fazer no México, se houver possibilidades para isso. Quanto a um filme citadino, é claro que nos interessa. O Porto é uma cidade matricial, com uma personalidade fortíssima. Ao Porto devemos um filme, um grande filme, pelas vivências que lá vivemos. Terá de ser uma água-forte avassaladora, mas que não seja tributária de qualquer estética, quer dizer, onde não haja pontos de partida formais a-priori. Repito [é António Reis quem fala] que sempre transportei no mais fundo do coração, a dor e o sonho de anos de vida no Porto, que me marcaram para sempre.
P.: – Sobre o cinema contemporâneo?
R.: – O cinema que fazemos num país como o nosso e neste tempo, procura exprimir um modo de ver e de sentir a vida. Há quem diga que os nossos filmes não têm acção, mas repara, uma pessoa a olhar para uma paisagem é acção, a acção que nos interessa, a interior, porque da actividade das ideias e da comoção dos sentimentos é que nasce a verdadeira evolução. É a legibilidade da contemplação das formas naturais e a sua componente emocional que procuramos exprimir nos nossos filmes.
P.: – Que dizer mais, para terminar, sobre «Rosa da Areia»?
R.: – É uma obra acabada, completa que nos deixou a sede de continuar, abre novas pistas, outras vias de interrogação que nos encaminham para o novo trabalho que nos absorve já por completo.
O diálogo termina aqui. Em conversa posterior, Margarida Cordeiro e António Reis acrescentaram:
«O filme ainda não foi exibido em Portugal mas, para além de já ter sido mostrado nas «Xociviga/89» de O Carballiño (Galiza) foi passado em ante-estreia, no passado dia 7 de Outubro, na Cinemateca portuguesa, para actores e pessoal da equipa técnica do próprio filme, jornalistas, críticos, escritores e demais pessoas interessadas. A recepção foi calorosa e os presentes ressaltaram a beleza poética do filme e insistiram no desejo de o verem novamente. Achamos que esta é a melhor credencial do nosso trabalho».
José Coutinho e Castro
Jornal La Región–Ourense, Martes, 1 de Agosto de 1989, in revista portuguesa "Cinema", n.º 16, pág. 6-8, Outubro de 1989 (Director: Henrique Alves Costa). NOTA: A "Conversa..." retirámo-la da revista "Cinema", n.º 16, mas não sabemos se foi publicada no jornal La Región. Se nos puder ajudar...
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