domingo, novembro 27, 2005

120. HEI-DE ENTRAR NAS CASAS

Hei-de entrar nas casas
também

Como o silêncio

A ver os retratos dos mortos
nas paredes
um bombeiro um menino

A ver os monogramas bordados nos lençóis

os vestidos virados
os vestidos tingidos
os diplomas de honra
as redomas

E a caderneta de Socorros Mútuos
e Fúnebres

em atraso


Hei-de entrar nas casas
também
como o luar

A ver as faltas de roupa interior
e de cama

os rostos preocupados
com os avisos da luz e da água

com a máquina de petróleo apagada
jornais nas paredes
e um pássaro na varanda
a cantar
ao lado duma flor


António Reis - Poemas Quotidianos, pág. 27 e 28, Porto, [1957].