006. JAIME - Crítica de Jorge Leitão Ramos
Como penetrar na loucura? Como penetrar na pintura? Como penetrar numa pessoa? Três desafios para o cinema de António Reis, um poeta que aqui acede à realização.
"Jaime" é um trabalho sobre uma pessoa e os vestígios, traços (literalmente falando) que deixou. Jaime Fernandes, trabalhador rural do concelho da Covilhã, internado no Hospital Miguel Bombarda aos 38 anos de idade, aí morreria em 1969, após 31 anos de internamento. Já depois dos 60 anos de idade começou a desenhar. É sobre uma parte da sua produção pictórica que "Jaime" se constrói. Num vaguear sempre rasgado pelas evidências, pela inquietude, pelas dúvidas, pelo medo, "Jaime" está no espaço obsessivo dos quadros e na largueza das águas, dos ventos, dos campos, está nas palavras de Jaime e no seu habitat rural (filmado com a clarividência de uma memória alucinada).
Labiríntico, Jaime não explica, abre veredas por onde andar; em êxtase, Jaime revela pintura e real como que em sucessivas visões. E é um filme sempre decorosamente subordinado ao homem que investiga mas nunca esventra ou reduz. O filme não sabe, Jaime é que sabia.
Jorge Leitão Ramos - Dicionário do cinema português 1962/88, págs. 209-210, Editorial Caminho, Lisboa, 1989.
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