quarta-feira, junho 27, 2007

158. «JAIME» - Texto de Afonso Cautela

MITOS DO CINEMA

AS MÁGICAS CORRESPONDÊNCIAS NO FILME "JAIME"

EXERCÍCIOS DE HERESIA OU HIPÓTESES DE TRABALHO PARA UMA TEORIA REVOLUCIONÁRIA DA MORTE

Se, de acordo com as doutrinas búdicas, um mediante entra em contacto com o absoluto, a ciência ocidental chama «esquizofrénico» ao que espontaneamente e sem medianeiros, assume ele próprio a responsabilidade de «descer aos infernos». Por isso um «esquizofrénico» como Jaime encontra imediatamente (sem mediações) o inconsciente colectivo e o revela, nos desenhos, nas prosas quase hieroglíficas.

Absoluto é a palavra, a abstracção que tem servido para designar este mundo de todos, muito concreto e nada metafísico, das almas em trânsito. O homem ocidental faz esforços inauditos para atingir o absoluto, mas quando alguém o faz por conta e risco próprios, como Jaime, encarcera-o numa casa de saúde chamada manicómio, e rotula-o de «esquizofrénico paranóico».

Ao fim de trinta anos de asilo, dá-lhe alta e manda-o num caixão para o cemitério.

O DOGMA DA NÃO VIOLÊNCIA DE HIPÓCRATES A NIETZSCHE

Segundo o budismo, também a alma alcança o nirvana, uma vez depurada graças a sucessivas reencarnações.

A ideia da imortalidade era professada em segredo, às ocultas, iniciada e esotericamente, pelos adeptos da seita órfica e os iniciados nos mistérios dionisíacos. Antes de chegar a Pitágoras. Antes de chegar a Nietzsche que, para lá da doutrina do eterno retorno ou da «ressurreição dos corpos», pescada em Zoroastro, não esqueceu os mistérios dionisíacos que estudou na «Origem da Tragédia», e acreditava na órfica transmutação, na dialéctica permanente e universal, tal como Pitágoras (que redescobriu a dialéctica), tal como o Tao chinês do «yin-yang» (origem da dialéctica). Sempre, «viver de harmonia com as leis da Natureza» se consegue mais depressa morrendo – porque morrendo se está sempre de harmonia com a Natureza.

Crer na harmonia do Universo e na possibilidade de viver nela é crer na alma, na imortalidade e na transmigração das almas.

A teoria da reencarnação apoiou sempre uma filosofia estruturalmente pacifista frente à Natureza, uma comunhão cósmica. Retomada com o nome de panteísmo por Spinoza. E aviltada na «comunhão» da liturgia católica.

Hipócrates, pai da Medicina não-violenta, pouco diferia nesse aspecto da Medicina sem violência que sempre se praticara e ensinara na China. Que talvez acabe por mostrar as coincidências entre o «Livro dos Mortos» egípcio e o «Livro do Bardo Todol» tibetano.

EQUIVALÊNCIAS DO CORPO INVISIVEL

Segundo a Kabala, livro esotérico dos judeus, o homem possui, além do seu corpo físico, vários corpos invisíveis que se interpenetram entre si e que no momento da morte de dissociam.

Há um corpo vital e passional, uma alma, e o espírito, quer dizer, o ser verdadeiro.

Serão estes «corpos invisíveis» o inconsciente de Freud?
O Karma dos indús?
As vibrações (ondas) electro-magnéticas de alguns experimentadores?
O psíquico?
A alma?
A energia dos meridianos da acupunctura?

Diz-nos Charles Fourier que cada astro é um ser animado e que em todos eles, cada um dos seres que os habitam, têm uma alma eterna, se bem que inferior à do próprio Astro.

À sucapa, Orígenes e os primeiros padres da Igreja (Clemente de Alexandria, Gregório Naziaceno, Justino Mártir) acreditavam na transmigração das almas através dos diferentes corpos.

Segundo Orígenes, a alma era parte do divino e preparava o seu regresso valendo-se da forma humana.

Os espíritas atribuem aos espíritos do além os fenómenos metapsíquicos como a telepatia,a levitação sem contacto, a previsão, a aparição de «fantasmas», etc.

Afonso Cautela

Revista Plateia, págs. 18, 15 de Junho de 1976