sábado, janeiro 21, 2006

131. "TRÁS-OS-MONTES" - Texto introdutório do dossier do Expresso dedicado ao filme

[Estreia no cinema Satélite, Lisboa - Sexta-feira, 11 de Junho de 1976]

Haverá lugar para um cinema paralelo

«Trás-os-Montes» de António Reis e Margarida Cordeiro é muito bom mas não há sala para o exibir. «As noites quentes de não sei quem» é muito mau mas esgota as lotações.
E «Trás-os-Montes» não é o primeiro a que isto acontece. Desde que, em Portugal, se começou a produzir cinema novo que assistimos ao mesmo: o público foge do cinema português e os exibidores, por isso mesmo, fogem dele também. E temos assim «Brandos Costumes», «Benilde» e agora «Trás-os-Montes» a passar à tangente a primeira semana de exibição.
Os críticos bem escrevem que os filmes são bons. Os produtores bem pedem ao público que lá vá por favor... O público tarda... e o exibidor não arrisca. E os filmes, depois de meteórica carreira, ficam na prateleira, na esperança – também vaga e ainda longínqua – de que exista um organismo que ao menos faça a sua promoção lá fora, nesse estrangeiro sequioso de filmes portugueses que lá não chegam sabe-se lá porquê...
Será de facto a tardia consagração da cinemateca a única esperança para estes filmes que tentam abrir caminhos novos ao cinema português? O que estará mal?
Serão os filmes que devem ser diferentes? Mas diferentes, como? Mais fáceis, mais divertidos? Deverá exigir-se a António Reis que se torne Jerry Lewis ou o Manuel de Oliveira que cinematize livros policiais?
Serão os distribuidores e exibidores que se portam mal? Mas o que será, neste caso, portar-se bem? Suportar alegremente centenas de contos de prejuízo com casas vazias quando as podem ter cheias de retirando o filme? Enquanto se mantiver a lógica capitalista quem lhes atirará a primeira pedra?
Será o público que é estúpido, superficial e mal educado? É o que há, não temos outro... e o cinema faz-se para ele. Então?
Então há que inventar condições paralelas para um cinema que, por enquanto, é paralelo. Há que inventar condições de criar para um cinema que é fundamentalmente criação. Há que inventar condições de liberdade para um cinema que vive de livremente se fazer.
Porque acreditamos que «Trás-os-Montes» é caminho aberto para esse cinema paralelo, para um cinema que deixa de ser espectáculo para ser convivência, com-paixão - a máquina por dentro das caras e das casas, nunca por fora -, lhe dedicamos esta página.
«Trás-os-Montes» esteve para sair do Satélite ao fim da primeira semana. Razões? O exibidor responde com factos:
«Porque para uma lotação diária posta à venda de 832 lugares (208 por sessão x 4), teve a seguinte frequência:
Estreia dia 11 à noite – 49 pessoas
Sábado » 12 » » - 127 »
Domingo » 13 » » - 185 »
Segunda » 14 » » - 84 »
Terça » 15 » » - 160 »
Quarta » 16 » » - 172 »
Quinta » 17 » » - 633 »
Entretanto, o apoio oficial que se atrasara chegou (a Direcção Geral da Acção Cultural e o MEIC garantem a compra de um número fixo de bilhetes) e o filme continuará a sua carreira nas sessões das 19 horas no Satélite. Assim o público poderá, sem que o empurrem nem o insultem, ir devagar descobrindo por si que se tivesse perdido «Trás-os-Montes» teria perdido alguma coisa

n/assinado

Jornal Expresso, Revista, pág. 22, de 25 de Junho de 1976 (secção "Alternativas", coordenação de Helena Vaz da Silva)