132. "TRÁS-OS-MONTES" - Entrevista a Eduardo Prado Coelho como Director Geral da Acção Cultural
[Estreia no cinema Satélite, Lisboa - Sexta-feira, 11 de Junho de 1976]
Oficialmente o que pode (e quer) fazer-se?
Pedimos ao Director Geral da Acção Cultural que respondesse às seguintes perguntas:
1. «Brandos Costumes», «Benilde» e agora «Trás-os-Montes» estiveram curtíssimas passagens pelos ecrãs. Admito que, como nós, considera qualquer deles um filme de qualidade, o que ocorre dizer a este respeito?
2. Poderá atribuir-se a «culpa» do que aconteceu com «Trás-os-Montes»
a) ao filme?
b) ao produtor e exibidor?
c) ao público?
d) ou deverá pôr-se a questão de outro modo?
3. Como Director Geral da Acção Cultural
a) que medidas já tomou?
b) que medidas entende dever tomar para que filmes como este possam continuar a ser livremente feitos e a terem condições de exibição que merecem?
1 – Se um filme é uma «obra importante», um filme nunca pode ter culpas. É o que é. Também os distribuidores-exibidores são o que são, segundo a lógica de um sistema. Quando ao público, ele está lá ou não está, com base em imprevisíveis fios de motivação.
Culpas? Em parte, a própria crise da arte moderna que faz que essa modernidade se viva em ruptura, libertando um espaço que uma arte dita de massas tem de preencher. É aí que surgem as pornografias a enunciar no plural: porque não vejo diferença enquanto pornografia, entre o «filme de guerra» dito socialista, em que determinados intérpretes mimam a dor para activarem o consumo, e o «filme de sexo» dito pornográfico, em que determinados intérpretes mimam o prazer para incentivarem o lucro.
Quanto a mim, a raiz do problema é de ordem pedagógica. É necessário que a linguagem fílmica se aprenda, a ler e a escrever, nos bancos, ruas ou jardins de uma qualquer escola. É necessário alfabetizar em cinema. Mas os textos que se produzem como material de alfabetização são textos didácticos. Um texto estético que pretende alfabetizar é quase sempre um mau texto.
2 – a) Se pensarmos em termos de indústria, é necessário produzir filmes diferentes.
Se pensarmos em termos culturais, ou há filmes de qualidade, ou não há, e é tudo. O mais é dirigismo.
b) De acordo com a necessidade de impor uma legislação que tenha em conta a existência de um cinema português de nível (que o há).
c) É evidente que a questão se pode pôr de outros modos. Parte-se do pressuposto que qualquer pessoa tem necessidade de cultura. Mas de que cultura, e em que funções desta? Porque, a considerarmos na cultura uma função antropológica (quadro de valores em que se vise), uma função lúdica (o divertimento como necessidade de outra coisa), uma função cívica (a cultura imposta em nome de) e uma função libidinal (a cultura como relação com o Outro) – temos de verificar que a modernidade cultural apenas joga com a última destas funções, e das outras se divorcia, encontrando suporte para a sobrevivência na persistência de uma «cultura de massas» com função lúdica.
3 – A Acção Cultural é apenas uma Direcção-Geral entre outras no âmbito de uma Secretaria de Estado (ou Ministério) da Cultura. Não lhe compete resolver problemas de fundo.
Apenas três observações:
a) enquanto não houver uma efectiva descentralização cultural, a difusão será sempre difícil;
b) enquanto o IPC (ou IPAC) não instituir as bases de um circuito complementar, o filme português terá dificuldades em «passar»;
c) as acções da Acção Cultural, uma vez estabelecida a nível mais amplo a rede de difusão, deverão continuar a ser o que têm sido: multiplicação de iniciativas, produção de acontecimentos, não procurando captar todo o público em toda e qualquer acção, mas tentando calcular para cada empreendimento o público específico a que se destina, e pretendendo estabelecer um gráfico política e culturalmente harmonioso na distribuição desses públicos.
Uma palavra final: filmes como estes continuarão a ser livremente feitos.
Eduardo Prado Coelho
Jornal Expresso, Revista, pág. 22, de 25 de Junho de 1976 (secção "Alternativas", coordenação de Helena Vaz da Silva)
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