segunda-feira, julho 11, 2005

083. "ROSA DE AREIA" - depoimento dos realizadores

Margarida Cordeiro:

A propósito de «Rosa de Areia»: é um filme para quem pode ainda ver e ouvir como que pela primeira vez; como se fosse o primeiro filme surgido na terra e falando sobre ela.
Houve a luta com as formas, muito tempo antes de serem filmadas; o filme «mental» mudou vezes sem conta, mesmo após ter sido sujeito à escrita prévia da(s) découpage(s). Filmadas, as formas revelaram-se muito belas, estranhas, hostis ou mesmo incompatíveis (planos que não puderam incorporar-se na montagem). Impunham-se, rejeitavam-se, atraíam-se, estavam vivas.
Finalmente, «Rosa de Areia» estava ali, contra mim (fazendo parte de mim), no escuro das salas, palimpsesto complexo e fugitivo no ecrã, jogo de luzes e sombras, de sons e de silêncio.
E a alegria muito funda e grave durante todo este longo e inenarrável processo.

António Reis:

Eu diria que «Rosa de Areia» é, totalmente, um filme de matérias. Matérias em permanente devir: o vento natural torna-se vento de tuba, o vestido das actrizes contracena com as nuvens, a tri-dimensionalidade cai aos pés da bi-dimensionalidade, o plano-sequência é emparedado pelo fixo, a música é o silêncio e a cor modulada, a luz mais pura passa a flutuante e difusa.
O sentido do labor sobre as matérias (implicando-se e implicadas) não pode, pois, delimitar-se: é múltiplo, refaz-se constantemente e sobretudo interroga, elabora formas...
«Rosa de Areia» não passa como uma torrente: esvai-se em lenta rotação, em lenta translação, movido pela insubmissa energia das formas cinematográficas.

14 de Agosto de 1989


Revista Cinema, n.º 16, pág. 8, Outubro de 1989 (Director: Henrique Alves Costa). NOTA: Parece-nos que este depoimento foi escrito para o Xociviga, Xornadas de Cine e Vídeo de Galicia, mas não temos a certeza. Se nos puder ajudar...