terça-feira, setembro 13, 2005

102. FUNERAL DE ANTÓNIO REIS REALIZOU-SE ONTEM

O poeta do cinema português

Realizou-se ontem à tarde, no Cemitério de Benfica, em Lisboa, o funeral do cineasta António Reis, falecido na passada terça-feira. Presentes estiveram muitos amigos do realizador e gente do cinema português, como João Botelho – com quem António Reis trabalhou como actor no filme "Um Adeus Português" -, João Mário Grilo, Paulo Rocha e Pedro Costa, João Bénard da Costa, director da Cinemateca Portuguesa, e José Manuel Costa, do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento.
Paulo Rocha, para quem António Reis escreveu os diálogos de "Mudar de Vida" em 1966, definiu-o antes de tudo como um poeta. "Um poeta que a certa altura começou a fazer filmes" e cujo início de carreira, "Jaime", em 1973, é um marco no cinema português.
"Era uma espécie de visionário cientista", disse Paulo Rocha. "Olhava para o mundo, para as pedras, para a natureza, com os olhos de um sábio e de um poeta. Encontrava-lhes o lado mágico e o lado geológico." Para a cineasta Margarida Gil, Reis, "um sedutor, cativante e muito discreto" era "um talento muito ligado à literatura. Se se pode falar em poeta da natureza, da energia, então é o Reis", disse a realizadora de "Relação Fiel e Verdadeira".
Fernando Lopes, que tinha com António Reis uma relação muito intensa desde "Jaime" e que participou como actor em "Rosa de Areia", afirmou ao PÚBLICO: "Não vejo ninguém no panorama actual do cinema português capaz de fornecer o imaginário poético que Reis lhe conferia." Em Cabo Verde, onde Fernando Lopes participa no Encontro de Televisões de Língua Portuguesa, a notícia do desaparecimento de Reis foi motivo de uma moção de pesar.
O realizador de "Trás-os-Montes" esteve muito ligado à rodagem de "Matar Saudades", de Fernando Lopes, filme que também tinha por cenário aquela região portuguesa. "Trás-os-Montes foi um território trazido para o cinema português por António Reis com grande poética."
"Como realizador – diz Paulo Rocha – António Reis tem um lugar insubstituível no cinema português. Teve um papel importante na carreira de Manoel de Oliveira. Mais: foi uma influência na sua obra", salientando a sua importância no meio cultural do Porto nos anos 40 e 50. "Escreveu um livro que marcou o meio cultural na época, A Arquitectura Popular Portuguesa, uma obra que vai fazer escola" e foi o autor dos diálogos – "dos mais belos alguma vez escritos em língua portuguesa" – para "Mudar de Vida".
"São diálogos de um grande rigor etnológico – ele também era etnólogo e fazia trabalho de campo – e duma concisão poética extraordinária." Conta Paulo Rocha que António Reis trabalhou mais de seis meses nos diálogos. "E só descobri a qualidade deles anos mais tarde, quando os traduzi para japonês". "Era um homem insatisfeito", concluiu Paulo Rocha

Carla Castelo

Jornal Público, pág. 27, Quinta-feira, 12 de Setembro de 1991