sábado, setembro 18, 2004

028. PAINÉIS DO PORTO

«PAINÉIS DO PORTO» - um documentário vivo sobre a capital do Norte – deve-se ao patrocínio dos Serviços Centrais da Câmara Municipal do Porto que, com tal iniciativa, presta à cidade, à sua beleza e à sua gente não só uma homenagem como um relevante serviço dando-a a conhecer tal qual é, vista pelos olhos de um poeta atento às realidades, isso é, com beleza e com uma verdade simples.
O poeta é o seu realizador mais responsável, António Reis, assistido desta feita por César Guerra Leal. Reis, poeta da cidade do trabalho, de granito sujo e de beleza escondidas e fugidias aos olhares provincianos dos «turistas de ocasião» entusiasta dos cinema experimental, ex-assistente de Manuel de Oliveira, espectador atento do cinema e da vida deve ser, de facto, o principal responsável por «Painéis do Porto», onde se sente o sentido de captação poética do humano que os seus «Poemas de quotidiano» nos revelam.
De um modo diverso do que acontece com «O Pintor e a cidade» - o magnífico documentário de Manuel de Oliveira que pode considerar-se uma descrição poética do Porto - «Painéis do Porto» é aquilo a que, com mais verdade, poderíamos chamar uma reportagem poética. E na diferença entre descrição e reportagem encerra-se toda a profunda dissemelhança entre o filme de Reis e o de Manuel de Oliveira.
É notável, particularmente na primeira metade do filme, a magnífica selecção de material visual conseguida: jogo acertado dos movimentos de uma câmara irrequieta e dos ângulos de filmagem, ora contemplando o assunto, ora procedendo a uma descrição correcta, cheia de sugestões, detalhando com oportunidade e eficácia, ora sublinhando o pormenor anedótico ou característico, ora focando o típico sem o explorar, ora transfigurando a realidade em poesia, em símbolo, sem o trair... Contrastes constantes, «raccords» expressivos que são linguagem, que falam, que sugerem... E, lentamente, o Porto passa todo inteiro pelos nossos olhos e o granito sujo, as pedras de armas patinadas, a talha aberta a cinzel dos claustros, os azulejos oitocentistas que nos falam de um tempo que passou, encadeiam-se com a sinfonia de betão armado dos modernos edifícios, com os seus azulejos abstractos, com a serena majestade dos blocos habitacionais gigantes... A tradição afiança uma evolução dinâmica que é vida, que é o verdadeiro pulsar de uma comunidade humana. António Reis não se deixou cair na tentação do romantismo ou no bonitinho do efeito formal rebuscado: mantém vivo e tenso o tom de reportagem, não se limitando ao que se vê mas procurando ir mais longe, procurando as raízes do que existe.
«Painéis do Porto» não é um estojo de virtudes. Tem defeitos, quebras de ritmo, desacertos de montagem, que nos pareceram mais sensíveis na segunda parte do filme. Mas este é o primeiro filme de António Reis, filme feito com entusiasmo, bom gosto e sensibilidade visual apurada, talvez até hipertrofiada – o que explica certos desequilíbrios.
Balanço final: há que contar com António Reis para o cinema português.

Francisco Xavier Pacheco – Filme, n.º 61 (Director: Luís de Pina), pág. 19, 15 de Abril de 1964.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Há dias consegui recordar-me do nome do filme de António Reis que vi em 63 ou 64, "Paineis do Porto", como complemento numa sessão talvez do Cine Clube do Porto, em que eu me reconheci numa cena de rua. Isso ficou-me gravado, até porque fui "usado" dentro do contexto da poesia sem me ter apercebido de estar a ser filmado.
Para quem conheça o filme, posso lembrar uma cena numa álea do jardim da Cordoaria, paralela ao tribunal, em que um par de namorados passeia...
Passados todos estes anos nunca mais ouvi falar deste filme mas mantenho uma curiosidade em revê-lo.
O motivo deste contacto é para tentar saber se o filme ainda existe, se está algures onde possa ser visto, se há prespectivas de vir a ser exibido, ....
Cumprimentos.
Sérgio Ricca Gonçalves

10:06 da manhã  
Blogger António said...

Finalmente: Porto, 29 Nov 2018 · TM Rivoli, Grande Auditório · 21H30!

12:31 da manhã  
Blogger Unknown said...

Fui rever este filme ao Rivoli mas pareceu-me truncado, tanto na "minha cena" referida acima como noutra em que uma amiga de família, que reconheci no filme!, faz compras numa banca ao ar livre e que desapareceu. Passou de 20 para 16 minutos com a digitalização?
Sérgio Ricca Gonçalves

11:24 da manhã  

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