sábado, outubro 29, 2005

119. NA CÓMODA AINDA OS MESMOS SOLITÁRIOS

Na cómoda
ainda os mesmos solitários
de nervuras

ainda o teu retrato de menina
desfocado

ainda as flores de papel
com água
e o rosário

o mesmo espelho
o mesmo jarro

o mesmo luar grisalho
empoando o frio azul

Só tu mudaste Clara


António Reis - Poemas Quotidianos, pág. 14, Porto, [1957].

sexta-feira, outubro 21, 2005

118. FICHA - "ALTO DO RABAGÃO"

ALTO DO RABAGÃO
Portugal, 1966
Documentário
35 mm / p/b / 600 mt

Realização: António Reis e César Guerra Leal
Produção: Empresa Hidro-Eléctrica do Cávado

NOTA: Estes são os dados que possuímos sobre este filme. E foram recolhidos do site Cinema Português em "Alto do Rabagão". Esta ficha será corrigida quando se justificar, com futuras pesquisas ou com o contributo dos leitores.

quinta-feira, outubro 20, 2005

117. FICHA - "DO CÉU AO RIO"

DO CÉU AO RIO
Portugal, 1964
Documentário
35 mm / cor / 330 mt - 17 min

Realização: António Reis e César Guerra Leal
Produção: -
Produtor: César Guerra Leal
Estreia: 29-01-1964, Portugal.

NOTA: Estes são os dados que possuímos sobre este filme. Esta ficha será corrigida quando se justificar, com futuras pesquisas ou com o contributo dos leitores.

quarta-feira, outubro 19, 2005

116. FICHA - "PAINÉIS DO PORTO"

PAINÉIS DO PORTO
Portugal, 1963
Documentário
35 mm / cor / 570 mt - 20 min

Realização: António Reis
Produtora: Câmara Municipal do Porto
Produção: César Guerra Leal

NOTA: Estes são os dados que possuímos sobre este filme. E foram recolhidos do site Cinema Português em "Painéis do Porto". Esta ficha será corrigida quando se justificar, com futuras pesquisas ou com o contributo dos leitores.

sexta-feira, outubro 07, 2005

115. ANTÓNIO REIS E JEAN-MARIE STRAUB



António Reis e Jean-Marie Straub, no Festival de Londres, na década de 80.
A fotografia pertence ao arquivo de Margarida Cordeiro e foi retirada do catálogo António Reis e Margarida Cordeiro - a poesia da terra, organizado por Anabela Moutinho e Maria da Graça Lobo, pág. 55, publicado pelo Cineclube de Faro em 1997.

terça-feira, outubro 04, 2005

114. FALECIMENTO - Texto de A. Roma Torres

ESTÉTICA DA INVISIBILIDADE

Os filmes de António Reis e Margarida Cordeiro têm uma relação rara com o espectador. Em primeiro lugar eles não se dão a ver. De uma forma geral os seus filmes não têm acesso à exibição normal. O espectador não os encontrará num programa vulgar. Há como que um ritual que desde logo obriga o espectador a ver o filme em condições de particular disponibilidade. A «aura» dos filmes de António Reis e Margarida Cordeiro tem qualquer coisa de religioso, de sagrado. No Porto, por exemplo, TRÁS-OS-MONTES foi exibido em 1997 numa iniciativa da cooperativa Moviola com o patrocínio da Direcção-Geral de Acção Cultural, e ANA não chegou a ter exibição numa sala comercial, apesar da disponibilidade de um exibidor, tendo tido no entanto uma exibição pública no Congresso «Comunicação – Inquietação» em Janeiro de 1986. Se juntarmos a isso que JAIME é uma média metragem, naturalmente pouco conforme à exibição autónoma no circuito comercial, e ROSA DE AREIA permanece inédito em termos de exibição regular, teremos desde já uma primeira aproximação à estética da invisibilidade no cinema de Reis e Cordeiro.
Se não se conformam às regras vulgares de exibição, os filmes de António Reis e Margarida Cordeiro também procuram uma relação invulgar com o espectador durante a projecção. Pode dizer-se que são filmes feitos para serem vistos mais de uma vez, e frequentemente a cada vez se descobrem novos sinais e novas relações. Argumentar-se-á que isso é verdade para toda a obra cinematográfica, mas talvez no cinema de Reis e Cordeiro essa característica tenha a ver com a própria estrutura dos filmes. Os seus filmes fundam-se numa espécie de negação da evidência. A sua construção funciona por associação; não há praticamente qualquer efeito de redundância. Há como que uma rarefacção dos sinais que em limite tende para o eclipse, para o oculto. De certa maneira o espectador terá que desvendar os filmes com paciência, como para desenrodilhar o peixe da rede na cena do Rio Douro em TRÁS-OS-MONTES, ou como a difícil identificação do comboio pelo fumo branco na escuridão no final ainda de TRÁS-OS-MONTES.
Aliás os filmes de Reis e Cordeiro não inscrevem propriamente uma reflexão sobre os códigos da leitura, ou da visibilidade cinematográfica, embora implicitamente destruam os códigos dominantes.
Por isso é significativo o texto, sempre muito importante no cinema de Reis e Cordeiro, quando nos diz no início de ANA que «naqueles dias a natureza parecia recolhida ao invisível». Ana, aliás, é um filme também sobre a luz, que fala do eclipse como «um silêncio sobre a terra» e faz referência à refracção da luz e à decomposição nas várias cores, associando a ciência (física) a um certo olhar mágico, precisamente através da criança. O jogo entre o visível choro de uma criança e o silêncio da banda sonora constitui um dos momentos expressivamente arrojados de ANA, onde há uma espécie de suspensão em que se toca verdadeiramente uma visibilidade interior. E é ainda através da criança que TRÁS-OS-MONTES entende a magia de pombas ou ovelhas negras e brancas, ou o dicionário e o álbum de fotografias onde a invisibilidade é a porta de entrada numa estranha dimensão do tempo. Dimensão, aliás, que se prolonga em ROSA DE AREIA nas referências a Carl Sagan e a uma «natureza infinita onde se desenham e apagam todas as formas» ou «a maior parte dos cosmos é vazio».
A questão da (in)visibilidade inscrevia-se já de uma forma muito interessante em JAIME pois aí o percurso do personagem é em certo sentido idêntico ao do poeta António Reis. A força interior extraordinária dos desenhos de Jaime, internado no Hospital Miguel Bombarda, nasce duma escrita que progressivamente se torna ilegível (invisível), até o seu grafismo se organizar em imagens, figuras onde precisamente se destacam os olhos, num excesso de visibilidade associado à própria vivência paranóide. Reis passa também da escrita (poesia) à imagem (cinema) e o seu cinema logo desde JAIME ou TRÁS-OS-MONTES só aparentemente é documental ou etnológico, já que parece acreditar pouco na objectividade agressiva das câmaras de uma sociedade tecnológica, preferindo uma estética do pudor, dos sentidos escondidos, da revelação íntima que guarda uma distância paradoxal das terras e das pessoas.
As leis são também de alguma forma realidades invisíveis que Reis e Cordeiro constantemente invocam, ora nos seus aspectos jurídicos que culminam na cena do julgamento do porco em Castelo Branco em 1428 em ROSA DE AREIA, ora nos referentes científicos também presentes no último filme no contraponto entre o poeta (Pedro Tamen) e o cientista (António Manuel Baptista). Mas «as leis que procuramos não são mais que puras imaginações e talvez nem existam» (TRÁS-OS-MONTES), todavia «leis que se mantêm por serem leis e não por serem certas» (ROSA DE AREIA).
A morte de António Reis dá uma dimensão extraordinária ao percurso desenvolvido particularmente em ANA e ROSA DE AREIA. ANA é um filme sobre o ciclo vital, sobre a morte identificada com a mãe, a terra, a água (com relevo para as explorações sobre as formas de navegação da Mesopotâmia associadas aos barcos votivos e ao culto dos mortos). ROSA DE AREIA parte da violência («quem os obriga a combater uns contra os outros?»), da doença, da fome e da morte para um sentido oceânico, cósmico, onde se esbate a fronteira entre a ciência (racional) e a poesia (mistério).

A. Roma Torres

Revista A Grande Ilusão, n.º 13/14, págs. 9-10, Outubro de 1991 a Maio de 1992, Edições Afrontamento, Porto, 1992

domingo, outubro 02, 2005

113. FALECIMENTO - Texto de Saguenail

O-CULTO

António Reis ocupa – talvez o seu súbito falecimento possibilite a tão esperada difusão dos filmes que realizou, mas em nada modifica a originalidade da sua postura, por isso faço questão de escrever no presente: os seus filmes permanecem actuais, exemplares como, a outro nível, os de Manoel de Oliveira, tanto mais que não têm sido imitados (a influência que o malogrado cineasta exerceu ou venha a exercer não permite de todo em todo que se fale de «escola») – um lugar absolutamente particular no cinema nacional na medida em que dinamitou os quadros estreitos do cinema documental ao qual se dedicou, introduzindo a ficção como modo de apreensão do real portador de história, de sonho, etc.; na medida também em que conseguiu manter-se fora dos quadros institucionais de produção (em especial do IPC), substituindo as limitações financeiras pelas relações afectivas – sempre intensas, donde uma situação marginal de constantes rupturas -; por último, na medida em que a sua obra continua a ser desconhecida do grande público, conhecida e reconhecida pelos meios cinematográficos de tal forma que os filmes engendraram um certo culto mas não suscitaram um verdadeiro discurso crítico.
António Reis, vindo da poesia e do militantismo político, transpôs as suas opções para a prática do cinema, conservando o mesmo grau de radicalismo: rodagens longe da capital, actores amadores, etc. Essas escolhas estão bem patentes no resultado: importância dada aos objectos, teatralidade assumida da representação – ficção não se disfarça -, imagens duma miséria que nunca é magnificada ou exaltada, duma natureza que não oferece nenhuma protecção e contra a qual os homens são obrigados a lutar quotidianamente sem que esse combate seja destruidor pois reconhecem a sua força telúrica e a sua beleza. O fascínio por uma natureza simultaneamente hostil e matricial já aparecia em JAIME – os lobos – e desenvolve-se nas longas-metragens, tendendo contudo a reduzir-se às paisagens, enquanto que o discurso verbal vai suplantando aos poucos aquilo que as imagens deixaram de denotar. Da história de JAIME, fechado na sua solidão, à ROSA DE AREIA, em que a história da humanidade é metaforicamente reduzida à necessidade de sobreviver ao desaparecimento do sol patriarca, António Reis conta sempre a mesma história de crianças abandonadas, mas alargando o sentido dessa ficção de filme para filme, dum homem para uma região, duma região para a humanidade inteira. E, no decorrer da sua obra, surge uma personagem nova que assegura, numa relação harmónica com a natureza, a sobrevivência: a mulher; é ANA como uma espécie de resposta à partida do pai emigrante de TRÁS-OS-MONTES, e ROSA DE AREIA em que as mulheres vêem reconhecido o seu labor e o seu sofrimento ao longo da história, votadas a evitar que os empreendimentos dos homens desaguem no holocausto definitivo, da expulsão do paraíso às modernas centrais nucleares. Isto é, as palavras, e mesmo as imagens, foram-se feminizando, para não dizer, grosseiramente, que o verbo deslizou do olhar poético para a visão feminista. Paralelamente, a encenação hieratizou-se, desligando-se do real filmado: a atitude que consistia em captar, por vezes decerto intuitivamente, uma força, uma luz que emanava dos próprios objectos e lugares, deu lugar, neste último filme, a uma certa construção em que a força é confiada ao discurso verbal – que assume a carga poética e metafórica – e à acção simbólica encenada, enquanto que os objectos e os lugares emprestam a sua beleza cenográfica sem determinarem o sentido das imagens. Em TRÁS-OS-MONTES, Reis dava provas duma singular capacidade de submeter as imagens ao «génio» dos lugares – a visita à casa senhorial, o conselho reunido no Domus de Bragança – às vezes em detrimento da sua perfeição formal, mas podendo – talvez por acaso, porém o talento poético e a modernidade do autor residem precisamente no facto de ter sabido conservar e colocar essas imagens – atingir o sublime: é o caso do plano final no qual se adivinha o comboio (da História?) que passa ao longe sem parar... Em ROSA DE AREIA, a composição dos planos parece mais dominada, mas concebida ao estrito nível intelectual e, por conseguinte, menos inovadora – i.e. inspirada em modelos pictóricos sobejamente conhecidos. Em contrapartida, a descontinuidade da montagem, que já se anunciava em TRÁS-OS-MONTES, fixa-se como princípio estruturador em ROSA DE AREIA; as cenas sucedem-se sem lugar outro que não o do discurso verbal; paradoxalmente, cada cena obedece a uma alternância tradicional de plano geral e grande planos ou até de campo / contracampo (o saborear do vinho sacrificial na presença do pai solar). Vista de fora, esta evolução parece-nos corresponder a uma influência, directa ou indirecta, mas crescente de Margarida Cordeiro, psiquiatra, esposa e co-realizadora de todas as longas-metragens. Todavia, para além do juízo crítico sobre os seus filmes, a lição de António Reis é acima de tudo a duma posição independente, assumida até às consequências de ocultação da obra. Reis, que à saída do Conservatório, pelas leitarias do Bairro Alto, de bom grado tomava atitudes paternais perante os jovens ou futuros cineastas, morreu e deixou-nos a braços com a angustiante situação arquetípica encenada nos seus filmes: a necessidade de ultrapassar o tempo e a morte, de prosseguir uma busca errante sem seguir as pegadas do pai desaparecido

Saguenail

Revista A Grande Ilusão, n.º 13/14, págs. 13-14, Outubro de 1991 a Maio de 1992, Edições Afrontamento, Porto, 1992