sexta-feira, maio 15, 2020

229. "Poemas Quotidianos" - Crítica de Pedro Mexia

[Poesia] 

poemas quotidianos

Poeta da segunda geração do neo‑realismo português, ligado à revista portuense Notícias do Bloqueio, António Reis afastou‑se da dimensão retórica e declarativa de boa parte dos neo‑realistas, preferindo o despojamento do verso, a emoção contida, o intimismo melancólico. Os poemas de Reis são sobre vidas comuns, marcadas pelo trabalho e a alienação, a fadiga e o descanso, o tédio e a solidão, os grandes medos e os pequenos prazeres, a dignidade e a opressão. Embora "quotidianos", estes textos escolhem certos objectos que observam de um modo, digamos, cinematográfico, e a partir deles edificam um "espaço interior" de indagação ética. Tomando "o partido das coisas" (à imagem de alguns poetas franceses do pós‑guerra, como Ponge ou Guillevic), o poeta considera o jornal, a maçã, a camisa, a jarra, o maço de cigarros, o pente, e "arranca às coisas o que elas sabem a respeito do homem" (Gaëtan Picon). A penúria material e o sonambulismo da existência são assim gémeos da constância e da duração no tempo. E manifestam‑se num fulgurante elogio da fraternidade e da conjugalidade.

Pedro Mexia

António Reis - Poemas QuotidianosTinta da China, Lisboa, 2017.