Mourão-Ferreira sobre «Trás-os-Montes»:Grande acontecimento após o 25 de Abril. Entregues os prémios do Festival Cinematográfico de Toulon a três realizadores portuguesesO secretário de Estado da Cultura, David Mourão-Ferreia, deslocou-se ontem, pela primeira vez desde que ocupa aquele cargo, ao Instituto Português de Cinema, onde inaugurou a biblioteca da Cinemateca Nacional e procedeu à entrega dos prémios atribuídos no Festival de Toulon (França), aos realizadores Margarida Martins Cordeiro e António Reis («Trás-os-Montes») e José Carlos Marques («Júlio de Matos... Hospital?»). Presente, também, o adido cultural da Embaixada de França, sr. Bugnol.
Disse que ainda não tinha podido apreciar a curta-metragem de Carlos Marques, mas, iludindo a «Trás-os-Montes» salientou tratar-se de um dos maiores acontecimentos culturais portugueses, após o 25 de Abril de 1974. Mencionou a importância dos prémios e o valor artístico que eles confirmaram. Classificou os dois realizadores como dois poetas que se exprimem através da imagem. Realçou que o protagonista de «Trás-os-Montes» é o próprio povo da região.
Assinalou que era esta a primeira vez que, como se secretário de Estado, entrava no Instituto Português de Cinema, não sendo isso, porém, prova de desinteresse.
Entendeu vir apenas depois de resolvidas certas situações anómalas, as quais, agora, segundo disse, parecem estar em vias de solução.
António Reis e José Carlos Marques receberam os respectivos prémios. Ausente – apenas Margarida Martins Cordeiro. O autor de «Júlio de Matos... Hospital?» comentou de seguinte modos os resultados obtidos em Toulon:
«Acho que foi importante, porque os filmes portugueses que lá estiveram conseguiram um total de cinco prémios. Isso não acontece todos os dias. É pois fundamental que os realizadores portugueses continuem a lutar para fazer bons filmes, de modo que o nosso cinema não caia no esquecimento.»
Apenas um acto de responsabilizaçãoEm nome da equipa de realização de «Trás-os-Montes», António Reis disse: «Para nós trata-se apenas de um acto de responsabilização. Estímulo – continua a não ser nenhum. De facto se os realizadores precisarem dos prémios como estímulo para fazer cinema, estão liquidados, nunca teriam razão para fazer cinema, nunca teriam razão para serem realizadores».
Continuou: «Isso não quer dizer que não seja bom o facto de os filmes receberem prémios. É bom para o povo que fez o filme e para o País, que representa, assim como para a cooperativa que o produziu na medida em que poderá afirmar-se como entidade criadoras de filmes».
O futuro do IPCPenso que estão criadas condições objectivas para o Instituto Português de Cinema ser o órgão dinamizador de toda a actividade cinematográfica em Portugal, afirmou-nos João Matos Silva, um dos responsáveis pela reestruturação daquele departamento, dependente da Secretaria de Estado da Cultura.
Referindo-nos que o IPC não tem ainda capacidade para dar um apoio eficaz à pequena e média distribuição, João Matos Silva – que é também realizador de cinema – adiantou que essa capacidade poderá vir a ser conseguida com a criação do Instituto Português das Actividades Cinematográficas. Existe já um anteprojecto para este organismo, ratificado por unanimidade numa assembleia geral extraordinária dos trabalhadores do sector.
Esse anteprojecto terá que ser discutido e aprovado na Assembleia da República. Segundo João Matos Silva, o documento tem em conta a integração do sector num todo coerente.
O Instituto Português das Actividades Cinematográficas terá dois fins fundamentais a prosseguir: a criação de um cinema nacional; dar possibilidades ao público português de ver os filmes estrangeiros que até agora lhes têm sido negados pela política mercantilista dos grandes distribuidores e exibidores. Assim, prevê-se a criação de um circuito complementar de exibição e distribuição.
João Matos Silva afirmaria ainda que o IPC continuará a apoiar a produção cinematográfica, mas de maneira menos absorvente. Quanto ao futuro IPAC, espera que seja mais dinâmico e intervencionista, para que o cinema português deixe de ser um parente pobre no sector da cultura.
(não assinado)
Jornal
O Século, pág. 1 e 4, de 14 de Outubro de 1976