Deixamos
as terras de Miranda pela estrada às curvas, a portuguesa. Uma hora e picos até
Bragança, a tempo de ir almoçar ao Largo do Sé. Bem se lembram os donos do
Solar Bragançano da estreia de Trás-os-Montes em 1976. E a gente do
filme veio cá comer, incluindo o convidado especial Miguel Torga.
Estreia
tranquila, nada como veio a ser em Miranda.
É em
Bragança e à volta que acontece a primeira parte de Trás-os-Montes. Para
chegar à mais enigmática casa do filme há que subir ao castelo, passar as
tílias do pelourinho, a torre, a igreja, e teremos à nossa frente a Domus
Municipalis, espécie de pentágono em pedra, 38 janelas, banco corrido, cisterna
por baixo.
Aqui se
terão reunido os homens-bons medievais, e é aqui que António Reis e Margarida
Cordeiro filmam a leitura de uma carta de Dom Dinis com roupas de 1974. Cá
fora, a vista vai longe e uma árvore há-de lançar a sombra dos seus ramos sobre
a fachada.
Por
estas serras correm o Luís e o Armando no filme, vestidos de pajens. Rebolam na
palha, comem maçãs, enfiam-se num castanheiro, estão dentro de uma história,
talvez a da princesa Branca Flor, que uma mãe conta à lareira. É um Verão de
infância, como antes foi Inverno, e eles foram ao rio, e o Luís encontrou uma
truta dentro do gelo, parada para sempre.
Telefonámos-lhe
- ao Luís. Espera-nos segunda-feira, no seu atelier do Porto.
Também
telefonámos ao pai, dono da Casa Grande do filme. Vamos lá amanhã, domingo.
Só não
veremos Armando, companheiro de aventuras de Luís. Está longe, no funeral da
sogra, e só volta dentro de dias.
A casa
de Palácios
Dez da
manhã, céu incerto.
O
arquitecto Manuel Ferreira sobe para a sua carrinha, apoiado apenas no volante.
Tem uma prótese na anca que vai ser substituída, anda de bengala e custa-lhe.
- Fora
isso, estou óptimo. Desculpe a carrinha estar suja, mas é de andar na castanha.
Aos 82
anos, vozeirão, cabeça límpida.
Arrancamos
para Palácios, a 15 quilómetros. É o tempo da história se ir recompondo.
- O
António Reis já me conhecia das Belas-Artes do Porto, no grupo do António
Quadros, do José Rodrigues. Isto, em 1955, 56. Depois vim para Bragança dar
aulas, casei, e qual não é o meu espanto quando me aparece o Reis:
"Preciso da Casa de Palácios." E eu disse: "Sim senhor, vamos lá
fazer o filme."
E além
da casa, foi guia, conselheiro, pai da criança protagonista (o Luís), e
fugazmente actor.
-
Apareço num bailarico em Rabal a tocar guitarra portuguesa. O Manuel Brasileiro
toca violino, o meu irmão viola e eu guitarra.
Passamos
agora Gimonde, a ponte românica à esquerda que Luís e Armando atravessam. No
filme só tem árvores de um lado e do outro. Agora, casas.
- Há
ali uma capela feita pelo Liló que vem numa revista italiana e naquele livro da
arquitectura contemporânea - aponta Manuel Ferreira.
Liló é
como a família chama a Luís. Arquitecto como o pai, assina Luís Ferreira
Rodrigues. A capela é um paralelepípedo branco no cimo de uma colina.
Depois,
a vegetação adensa.
- Há
dois anos fizemos aqui uma batida e saíram 28 javalis.
Carvalhos,
choupos, freixos.
- Há
aqui um rio, o Maçãs, que era quase só meu. Andámos durante anos, eu e o meu
irmão, a tirar de lá trutas. Há dois anos secou por completo. O javali andou
ali a fuçar, às minhocas.
Manuel
Ferreira é homem de pesca, de caça, de ir à castanha, a tudo o que aqui se dá.
Mas também foi presidente da Câmara de Bragança a seguir ao 25 de Abril.
Entramos
na aldeia de Babe. Que é isto do lado esquerdo?
- São
as placas do Tratado de Babe, também feitas pelo Liló.
Duas
placas de pedra, xisto de um lado, mármore do outro, assentes em estacas na
relva, com a explicação do tratado gravada. Belíssimo corte na paisagem,
primeiro inesperado e depois justo, como se já fosse impossível a paisagem sem
isto.
O
Tratado de Babe foi celebrado a 26 de Março de 1387 entre D. João I de Portugal
e João de Gaunt, duque de Lencastre, quarto filho do rei inglês Eduardo III.
O duque
de Lencastre, explica a placa, reivindicava o trono de Castela em virtude do
seu casamento com Constança, filha do Rei de Castela. Mas através deste tratado
desistiu de qualquer direito à coroa portuguesa. E em Março aqui estavam
exércitos e séquitos.
- Veio
Nuno Álvares Pereira e acampou com cinco mil lanceiros e cavaleiros - conta
Manuel Ferreira.
Já a
seguir é o desvio para Palácios, a descer, até aparecerem casas dispersas.
Enquanto o duque acampava em Babe, D. João I estava aqui.
- Isto
está muito abandonado. Só 17 pessoas na aldeia toda. Velhinhos.
Estacionamos
em frente a uma casa de dois pisos, meio em ruínas, meio em recuperação.
- Olhe,
é esta.
A casa
grande
Há
lugares que já não sabemos se vêm do cinema ou de uma memória anterior.
Paredes
brancas com retratos de avós e um espelho onde bate a luz. Janelas de
guilhotina, lavatórios de esmalte, lençóis gelados no Inverno. A casa grande de
Trás-os-Montes é assim.
Lá vive
o Luís com a mãe. Não há pai. E a mãe foi um dia uma menina de laço vermelho a
dizer adeus ao seu próprio pai, que partia a cavalo, cada vez mais longe, numa
das mais belas sequências do cinema português.
É a
história da mãe de Margarida Cordeiro, há-de contar-nos ela, quando a formos
visitar.
E agora
aqui estamos, a pisar as silvas, a afastar as roseiras, um pedaço de jardim
selvagem até à entrada da casa. Manuel Ferreira está a recuperá-la como turismo
rural com ateliers e galeria. O projecto é do filho. Já custou 400 mil euros e
faltam uns 300 mil, calcula Manuel Ferreira. E é por isso que a casa está
assim, meio abandonada, meio a renascer.
Entretanto,
a vinha virgem cresce pela parede nova de xisto.
-
Paredes novas, vigas novas, telhado novo - indica Manuel Ferreira, avançando
com a sua bengala entre entulho e ervas.
- É a
parte que já tenho feita. Isto tem quase 2000 metros quadrados de área coberta.
As
esculturas em pedra de outro filho seu, o João, estão pousadas nas ervas.
Entramos.
- Aqui
era a loja dos cavalos, a manjedoura. Vai ser um bar.
O pátio
interior já teve uma galeria de madeira no primeiro piso, e agora tem um resto
de varandim verde.
- As
madeiras apodrecem com o tempo, estou a pôr novas. Ali vão ficar cinco quartos,
outros cinco em baixo, todos com banho.
E todos
com uma parede em vidro para a vista: colinas verdes, velhos pombais, freixos.
Manuel
Ferreira pára numa sala com dez metros de altura.
- Aqui
será a galeria. Vai ser um turismo voltado para a cultura. Estive em Murcia, em
casa de uma velhinha que ensinava a pintar a aguarela, paguei muito pouco e
aprendi a pintar.
Foi uma
inspiração. Saímos para as traseiras.
- Era
aqui que o meu avô encerrava os rebanhos à noite. Olhe, o tractor passa o
Inverno debaixo do freixo.
Um
Lamborghini coberto de folhas.
- O
terreno deve ter uns oito ou dez hectares. Aquele pombal ainda é nosso. Vai ser
o vestiário da piscina. E lá em cima acamparam os romanos. Encontrei três
moedas.
O avô
de Manuel Ferreira fez esta casa em 1879. A data está lá em cima. No filme,
Luís e Armando debruçam-se para a ler.
- O meu
avô era daqui, um homem de lavoura, mas pôs os sete filhos a estudar. As três
filhas foram professoras. Davam aulas aqui à volta e vinham almoçar a casa.
Uma era
a tia Ermelinda, autora de um livro de sonetos, Entardecer.
Entramos
num quarto com barrotes à vista.
- Vai
ser tudo em xisto, vidro e madeira de castanho. Olhe para esta viga de
castanho. Sãzinha que nem um pêro e tem a idade da casa.
Dá a
volta.
- Aqui
era o tear, aqui a loja dos coelhos.
Pára, a
ver madeiras velhas.
- Agora
isto está uma desgraça. Pipas, portas, escanos, está tudo para aí.
Pausa.
- Se
calhar não tenho dinheiro para acabar isto.
E
afasta as plantas para passar.
- São
figueiras-do-diabo, nascem espontâneas. É veneno.
No
quarto de Luís
Os
quartos onde o filme foi feito são no primeiro andar. Subimos.
- O
António Reis não ficou cá, estava numa pensão em Bragança. A casa já estava
desabitada há anos.
Manuel
Ferreira empurra uma porta perra e abre-se a escuridão de uma sala repleta de
móveis empilhados, aqui o lavatório do filme, ali uma escultura do tempo das
Belas-Artes, e um fantástico tecto octogonal de madeira, já recuperado.
Como
não há luz eléctrica e as janelas estão entaipadas, caminhamos a tactear,
passando uma porta, até que Manuel explica como arrancar o contraplacado da
janela.
E
então, o quarto de Trás-os-Montes volta à vida. As paredes brancas, os
retratos dos avós, as duas alcovas. E numa delas lá está a cama alta de madeira
onde Luís se deita, puxando a grande camisa de dormir.
Manuel
Ferreira identifica os retratos. O avô, de barbas brancas. A tia Ermelinda, de
óculos. A mãe, caída.
- Não
se importa de levantar a minha mãe? Muito obrigada.
Pousamos
o retrato cheio de pó em cima de uma mesa. Uma mulher linda, parecida com o
Luís do filme.
Entre
as duas alcovas há uma grande fotografia de dois jovens sorridentes, vindos da
caça.
- Ali
estou eu com a minha mulher, ela com as perdizes todas.
À
cintura.
- E
aquilo são dois pilares da capela, tipo D. João V.
Da
janela vem o som de pássaros, além os montes, os freixos dourados.
Voltamos
à sala. Manuel Ferreira fala da mesa redonda ao centro, que nem se consegue
ver.
- Eu
vinha da eira de bicicleta, dava a volta à varanda, dava a volta a esta mesa e
tornava a sair.
Lá fora
cai uma chuva leve e oblíqua.
- Olhe
um gavião real.
A
planar.
A
capela de Gimonde
Arrancamos
para Gimonde, para ver a capela feita por Luís.
Lá
adiante, Bragança cheia de sol. Encostas de folha vermelha.
-
Cerdeiros bravos - diz Manuel Ferreira.
Despede-se
ao chegar à aldeia porque já tem gente à espera no 4, o restaurante onde
devemos ir, recomenda.
É
domingo, hora da missa. A voz do padre vem da igreja, ao alto, por altifalante,
e espalha-se por Gimonde. Depois ouvem-se os fiéis.
Aqui se
juntam três rios, mas o que corre por baixo da ponte românica é o Sabor, e nas
margens correm crianças, de braços levantados quando o vento vem e faz flutuar
as folhas. Tentam agarrá-las, ajoelham-se, mergulham nelas de bruços.
Podia
ser um momento de Trás-os-Montes - se houvesse só o rumor da natureza e
das crianças, sem missa.
Muita
gente não percebeu porque está a igreja ausente do filme. António Reis disse,
numa entrevista aos Cahiers du Cinéma, que era "uma posição de
princípio de tábua rasa". E explicou: "O catolicismo é ali uma
religião muito recente. Sente-se no filme que há religiões mais antigas e,
entre as próprias pessoas, o cristianismo é uma coisa muito epidérmica. Não é
exagero, nem sequer uma liberdade poética, dizer que eles são druidas."
A ponte
românica faz um arco, calçada de pedra. Está aquela luz que vem entre a chuva,
e as pedras brilham, incandescentes. Não passa ninguém. Os cães dormem ao
calor. Um homem sai de casa com uma latinha de tinta e começa a pintar a parede
cá fora. As casas ao lado estão em ruínas, com tabuletas desajeitadas a dizer
"Vende-se".
- As
pessoas vão morrendo e os herdeiros não se entendem - explica o homem, Manuel
António de sua graça.
Sabe
ele quando abre a capela nova, além da ponte, no cimo da colina?
- É só
no mês de Setembro, que é a festa de Santa Columbina.
E sabe
quem a fez?
- Foi
um arquitecto aqui de Bragança, filho do arquitecto Manuel Ferreira.
O sino
toca a uma da tarde. "Creio em Deus Todo-Poderoso, Criador do Céu e da
Terra..."
Passamos
a ponte, subimos à capela nova. Está fechada, mas tem umas frestas na porta que
permitem espreitar. E o que se vê lá dentro é que por cima do altar fica o céu
- uma janela a toda a largura do fundo.
Vamos
em busca de quem possa abrir, mas dizem-nos que como é dia de finados a gente
irá ver os seus mortos ao cemitério ao lado da capela nova, pelas três da
tarde, e então a capela abrirá.
Até lá,
almocemos. Posta e melão no tal 4, sim senhor, e sentados junto a uma cena
transmontana pintada por Manuel Ferreira há décadas.
Quando
saímos, chove bem, e num instante os caminhos estão enlameados, o que não
impede a procissão de gente, de guarda-chuva, rumo ao cemitério. Mas a capela
ficará fechada.
É com
este tempo que os pajens Luís e Armando vão pelos montes até Montesinho. Assim
fazemos, estrada florestal acima, entre fetos fabulosos, cor de laranja, até
avistarmos os telhados de xisto de Montesinho.
- Agora
somos 40 - dirá o senhor Isaías do café. - Antes, só crianças na escola eram 40
ou 50. Agora não há crianças. Nem uma. O mais novo tem à volta de 50 anos.
Para
onde foram os novos?
- Para
França, muitos.
O
atelier no Porto
É uma
surpresa, esta rua à beira de Campanhã, com a sua fiada de casas 1900, quase
gémeas, variando cor e acabamentos. Uma delas é casa e atelier de Luís Ferreira
Rodrigues, que foi pôr os dois filhos à escola e está agora a chegar, num
boca-de-sapo branco com estofos negros, magnífico.
- Era
do meu pai. Temos de lhe dar rodagem.
E
faz-nos entrar, enquanto fala das casas, do bom pinho da Letónia, da madeira a
respirar. Aos 44 anos, é a cara do Luís do filme, mas sem a cabeleira loura
quase pelos ombros. Cabelo grisalho, cortado rente.
Não
conhecia o seu companheiro de aventuras Armando, antes do filme.
Luís
vinha dos senhores da terra. Armando vivia numa casa de acolhimento, o
Patronato, onde Reis e Margarida o encontraram. Tinham em comum uma orfandade.
Luís acabara de perder a mãe, Armando perdera o pai depois de nascer. O filme
reuniu-os.
Depois,
cada um voltou à sua casa. Meios e oportunidades continuaram diferentes, e
continuam.
Aos 46
anos, Armando tem o mesmo emprego que arranjou aos 13 anos, numa ourivesaria em
Bragança. E nas paredes do atelier de Luís, um pormenor de Miguel Ângelo
convive com uma crítica em italiano à capela de Gimonde.
Mas
ambos foram escolhidos da mesma forma para o filme, depois de muitas
fotografias de pesquisa.
- O
António fotografou vários locais para seleccionar miúdos, estava a mostrar ao
meu pai e ele disse: "Alto, este eu conheço."
Era
Luís, apanhado no liceu, teria então uns nove anos.
-
Depois, o António e a Margarida apareceram na nossa casa de Bragança.
Foi a
primeira vez que Luís os viu.
- O
António era de um carinho, de uma simpatia transbordantes. E a Margarida
também. Eu tinha perdido a mãe há meses e tivemos uma relação muito especial.
Eu estava sempre abraçado a ela, de mão dada, ela oferecia-me imensas coisas. O
António era mais reflexivo, falava só quando tinha alguma coisa importante para
dizer. A Margarida era mais espontânea, mais rápida. Mas as coisas que o
António dizia ficavam sempre na nossa cabeça. Funcionavam muito bem os dois.
Nas refeições, eu sentava-me à beira deles, começavam a falar de Proust e acabavam
em Stockhausen. O António dizia: "Presta atenção, porque agora não vais
perceber nada, mas um dia isto vai ser importante." Às vezes eu apontava.
Depois chegava a casa e perguntava: "Quem é este, e aquele?" Falavam,
falavam, a Margarida escrevia e o António fumava imenso. Dava duas passas e
apagava logo, mas fumava dois ou três maços.
Houve
um momento especialmente difícil?
-
Houve. - Luís sorri. - Quando fiquei nu.
É uma
cena de pintura flamenga. Ele tira a camisa de noite em frente ao espelho e
veste as roupas de pajem.
- O
António preparou-me: "Hoje vai passar-se uma coisa que se calhar não vais
gostar. Vais ter de mostrar o rabiosque." E eu disse: "Mas é
isso?"
Não lhe
parecia grande coisa. Mas depois começou a ficar inquieto.
- Foram
dois ou três takes, estava muito frio e lembro-me que batia o dente. E
os lençóis eram de linho, feitos pela minha avó. Eram como duas lâminas de
vidro.
A casa
de Palácios já estava desabitada, mas ainda lá se passavam fins-de-semana e
férias.
- Dormi
muitas noites naquela casa, no quarto dos rapazes. Era sempre uma aventura,
porque as vacas estavam mesmo por baixo. Ouvíamos-las a fazerem chichi e cocó,
era um pavor. E conversávamos toda a noite.
Ele e
os irmãos.
- Uma
coisa muito interessante era o cuidado que o António tinha de explicar tudo,
técnicas compositivas, quase uma componente pedagógica.
Mas o
trabalho fazia-se verdadeiramente a meias?
- Sim,
e muito discutido. O António tinha um trilho bem traçado e dirigiam os dois,
embora na comunicação fosse quase sempre o António. Mas não tomava decisões sem
falar com a Margarida.
Entretanto,
Manuel Ferreira ia orientando.
- O meu
pai conhece aquilo tudo. Dizia: "A partir das dez horas ali fica à
sombra." Ou: "Em Fevereiro aí só há carvalhos." Ou: "Ouve-se
o rio ou não..."
Quando
o filme ficou pronto, Luís foi às duas estreias transmontanas, Bragança e
depois Miranda. De que se lembra em Miranda?
- Os
desenhos animados do Tex Avery foram um sucesso. Depois começou o filme e o
ambiente começou a ficar estranho. As pessoas achavam que o Trás-os-Montes
retratado devia ser em progresso, e não a fome, as pessoas a comerem neve.
Mas
Luís acha que este mal-estar já se começara a preparar em Bragança.
- A
grande diferença foi já se saber o que se ia ver.
E ele
gostou?
- O
primeiro momento foi ver como muitas coisas que eu não compreendia se
encaixavam. Percebi que aquelas pessoas tinham feito um grande esforço para que
aquilo acontecesse.
E
agora?
- Tenho
visto o filme uma vez por ano. O que valorizo mais é a visão poética do António
sobre um território que ele adorava de forma avassaladora. Claro que ele tinha
de ter uma narrativa, que aparecem personagens, a história da Margarida. Mas é
fazer um poema sobre uma coisa de que se gosta muito.
António
morreu em 1991. Margarida está na aldeia de Bemposta. Há quanto tempo não a vê?
-
Telefonei há dois anos, tentei falar com ela por causa de um trabalho sobre o Jaime
[filme anterior a Trás-os-Montes] para o meu doutoramento, mas não
consegui. Também fui a Bemposta, e só estava a mãe. Mas gostava imenso de a
ver.
E
porque não vai?
Pausa.
Luís sorri.
- É a
vida. Quando vou a Bragança, é sempre a correr. Mas é verdade. Não tenho feito
tudo para a ver.
Alexandra Lucas Coelho (texto) e Nelson Garrido (4 fotos).
, P2, págs. 8 a 10, Sábado, 7 de Novembro de 2009.
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