sábado, outubro 23, 2004

044. "JAIME" - depoimento do realizador

Foi um trabalho difícil e árduo. Ele nunca conservou os trabalhos. Normalmente, pedia o material emprestado e, digamos, em paga dava os trabalhos. Mesmo assim conseguimos recolher algumas dezenas de desenhos e pinturas e muitas cartas. Felizmente, nem tudo se perdeu (aliás nem quero pensar na hipótese contrária).
Tivemos sempre a preocupação de não dissociar a biografia da obra. Não nos interessava fazer o filme da vida de um pintor. Aliás, estou convencido que prestávamos um mau serviço ao Jaime se fizéssemos um filme sobre artes plásticas, embora prestássemos, talvez, um bom serviço à pintura.
Digamos, portanto, que a fita é um poema plástico e humano.
Eu não conheci o Jaime e no decurso de todas as investigações que fiz ele escapou-me sempre. A única coisa (pouco) que agarrei foi pelo que ele deixou pintado e escrito. De resto, ele próprio escapou-me.
O Jaime tinha perfeita noção do espaço a ocupar pelo desenho ou pintura. Como estava limitado pelas pequenas dimensões do papel, muitas das suas figuras-homens têm braços caídos ou levantados, enquanto as figuras-animais têm a cauda caída.
Portanto, as atitudes do desenho estão sempre em função de delimitação do papel, para a qual ele achava sempre uma solução plástica genial. É possível que também estejam ligadas a uma estereotipia emocional obsessiva e a arquétipos.
Quando muito, as leis que presidem à sua arte são equivalentes às da criança ou dos povos primitivos. Na sua arte há uma saúde e vitalidade extraordinárias.
Quanto à interpretação da simbologia das cores, ela está muito viciada e varia de sociedade para sociedade, conforme as culturas. E, por exemplo, o vermelho, no Jaime, não é passional e o preto não é luto. Ele pode encher uma grande superfície de negro e vermelho e depois mete uma dissonância de violeta. Ora, isto só está ao alcance dos grandes artistas e é um acto de consciência pictórica.
Aliás, o Jaime não começou aí. Chegou aí. No filme, não utilizámos algum material que poderia explicar o seu percurso e a sua evolução artística

António Reis


Revista Celulóide, n.º 204, pág. 5-6, Dezembro de 1974.
(Declarações recolhidas por Albertino Antunes para o «Jornal do Fundão», de 27 de Janeiro de 1974).